29 de maio de 2013

O sertão que nos cabe




Ele escreveu que seus amores são semiáridos, que tem sede, mas representa um deserto. Lembrou-me daquela ideia de Guimarães Rosa de que o sertão está em toda a parte, está dentro da gente.

O semiárido não seria um privilégio das pessoas mais sensíveis, penso que todos nós amamos em disritmia. E essa alusão é tão antiga quanto aquela história de que viemos do pó.

Todos temos uma sede insaciável, mendigamos amor e o pouco que conquistamos escorre no solo monótono do semiárido cotidiano.

Apesar dessa cena trágica, o sertão me encanta. Uma das mais lindas histórias de amor que já li se passa lá, o amor nunca consumado de Riobaldo e Diadorim no Grande Sertão: Veredas.

Penso que a beleza do amor semiárido está justamente na possibilidade da introspecção. É preciso conhecer o sertão que nos cabe para encontrar as paragens que nos alimentam e descansam.

Dizem que o sertanejo é um forte. E eu o vejo assim. Porque entre muitos que escolhem a rota de fuga de seus próprios sertões, ele permanece lá, se alimentando do semiárido, aceitando a verdadeira luta por amor.

Sem ilusões. Sem palavras vãs. Apenas o sertão e a luta.

Por Sofia

22 de maio de 2013

Padam


À minha mãe

Eu não sei o que é o amor.
Em certos dias – feriado de domingo, 0h47, frio e chuva fraca –, até desconfio ter um travo por dentro, me corroendo em acordes menores, como se me fosse reservado um painel sem cor.
Já tentei. Por duas vezes, tentei amar.
Comecei me apaixonando. Escrevi cartas. Namorei. Fiz juras de amor. Ofereci provas. Fui monogâmico à revelia. Construí edifícios, cada qual de quatro anos. Na metade do prédio eu já sabia que não tinha mais amor. [E minha carga de desejos é terrível, sufocante.]
Meus amores são semiáridos. Tenho sede, mas represento um deserto, areia escassa e truculenta. Digo do amor como um mecânico ao telefone. Mecânico.
Moro sozinho e na mesma casa há quase dez anos.
Morar sozinho é um exercício de amor ao próprio território, é não se desesperar no dia em que solidão pisa no peito, nem se entregar às mulheres carinhosas que pedem quartos. É viver numa pulsação de noite, silêncio e retorno.
Neste Dia das Mães, inúmeras manifestações de afeto nas redes sociais. Os almoços protocolares. Os amigos que viajam aos seus parentes. Não me encontro em nenhuma ideologia afetiva e, para piorar, sempre fui um ator ruim.
A minha mãe mora aqui pertinho. Tenho certeza de que ela não esperava ter um filho tão impróprio ao amor. Eu pouco abraço, de vez em quando uso a ironia para demonstrar o quanto ainda preciso de seu abrigo, sei que ela tem medo de perguntar de meus rumos amorosos, falo pouco.
Sempre amei em disritmia. De tempos em tempos, resplandeço em Piaf, mas logo estou no mesmo subterrâneo.
É insuficiente, sempre é.
Minha mãe, onde foi que errei?
 Como poderei ser inteiro se me falta coração?

ouça a música "Padam, Padam..." de Edith Piaf em:


Por Daniel Zanella

15 de maio de 2013

Limbo





No consulado americano do Rio, o rapaz que nos entrevistou não quis acreditar: O que vão fazer no Alabama?

Mais de duas décadas depois ainda estamos aqui em Birmingham, Alabama, sul dos Estados Unidos. A princípio tudo nos encantou. A quantidade de árvores, a vida calma tão diferente do Rio, o espaço das casas e apartamentos. Resolvemos ficar, aumentar a família, comprar uma casa.

Aos poucos fomos vendo que criar filhos no Alabama pode ser uma tarefa dantesca. Como formar pessoas de mente aberta, cidadãos do mundo, em uma terra onde impera uma mentalidade conservadora e pouco flexível? Afinal estamos falando do "Bible belt", um lugar onde o fanatismo religioso se mistura ao capitalismo e ao culto às armas de fogo.

Apesar das dificuldades isso foi acontecendo. Conhecer o mundo e outras culturas certamente ajudou. Descobrimos também que existem exceções à regra, que algumas pessoas pensam diferente e ousam fazer parte de uma minoria. Ter as suas próprias ideias nunca vai fazer de você a pessoa mais popular da escola ou da vizinhança, mas sem dúvida ajuda na formação do seu caráter e personalidade. E você pode usufruir do lado positivo. Pode sair às compras a qualquer hora da noite sem medo, respirar ar puro, ter um sistema de saúde e educação decentes.

Assim nos encontramos nessa espécie de limbo. Morando no sul sem sotaque ou mentalidade sulistas; nem completamente brasileiros ou americanos. Apesar dos prós e dos contras, está valendo a pena.

Por ZH

8 de maio de 2013

Meu corpo e eu




Acho engraçado quando algumas mulheres dizem: “O corpo é meu, me respeite.” Pra mim a coisa é ainda mais radical: “O corpo SOU eu”, ou, talvez melhor: “Eu sou, dentre várias coisas, também o meu corpo.” O meu corpo é a primeira mediação entre mim e o mundo, entre mim e as outras pessoas.  Eu me apresento aos outros, primeiramente, como corpo. Isto é, os outros, antes de tudo, me veem, percebem a minha presença material, e só depois tomam conhecimento dos meus pensamentos, crenças, sentimentos – e do mesmo jeito que não exponho o meu pensamento (ou todos os meus pensamentos) a qualquer pessoa, também tem coisas do meu corpo que prefiro guardar.

O corpo é, portanto, uma dimensão importantíssima do meu ser e uma dimensão inalienável. E por isso ele não é simplesmente minha posse (como são as minhas roupas, os meus livros e... os meus livros), mas é uma parte inseparável do que eu sou.

Respeito muito as feministas e me considero uma delas em certo sentido (não sei se o sentimento de identificação seria recíproco...), mas acredito que na luta contra a violência e em favor do respeito ao corpo das mulheres algumas das feministas estão perdendo uma parte fundamental da história... (algumas só, outras sacam perfeitamente bem do que se trata). E a parte fundamental é que a opressão a que as mulheres foram (e ainda são) sujeitadas se deve grandemente a uma mentalidade que facilmente dissocia o corpo feminino da pessoa.

Essa dissociação ou alienação atinge muito menos os homens. Podem ver: é muito mais raro que eles se deparem com certas partes da sua anatomia ilustrando peças publicitárias, capas de revista etc. Os homens conseguem dizer, com muito mais tranquilidade, que eles são o seu corpo. Porque eles de fato se sentem assim (ou, pelo menos, a maioria parece se sentir. É claro que há exceções e pra muitos homens também é difícil lidar com a integração entre corpo e pessoa). Já nós mulheres... Quantas vezes não sentimos que o nosso cabelo, as nossas medidas, as nossas formas estão muito aquém e são muito insatisfatórias diante daquilo que somos ou gostaríamos de ser? Esse sentimento é justamente o sintoma de um imaginário que, ao alienar o corpo feminino da pessoa, acaba por encarar esse corpo como uma posse. E isso é muito perigoso, pois uma posse pode ser exercida pelo seu dono ou dona legítimos, mas também pode ser vendida, cedida, invadida e tomada.

Prefiro encarar o meu corpo não como minha posse, mas como eu mesma. Porque é assim que eu gostaria que me olhassem: eu. 

Por Hannah

1 de maio de 2013

O que é o amor?



A palavra “amor” sempre me intrigou. Não poderia ser um mero sentimento, difícil de ser diferenciado dos outros que aparecem quando somos atraídos por algo. Talvez, então, seria um ato louco da pura razão? Inconcebível! A inteligência conhece, mostra caminhos, mas a decisão é tomada pela vontade. “Ah, então a resposta está na vontade”, exclamei certa vez em voz alta, ingênua e kantianamente! A vontade sim é soberana, escolhe mesmo contra os conselhos da inteligência ou o movimento das paixões. Mas... nem isso me convencia até o final. O amor não poderia ser de domínio puro da vontade! Como imaginar o amor verdadeiro sem conhecimento ou emoções?

E, eis que assim “pulava” entre as potências do meu “eu” interior, buscando entender o amor, quando me apaixonei, perdidamente! Sim, uma flechada, sem aviso, sem defesas. E tudo aconteceu ao mesmo tempo: o sentimento não se satisfazia com o simples padecer e, por isso, a inteligência era intimada a conhecer mais e mais. E a cada nova descoberta do objeto amado, ensinada com ternura pela razão à vontade, esta última ia querendo com mais força, sem saciar, desencadeando novas explosões da sensibilidade e, ao mesmo tempo, levando-me a submeter todo o resto pelo “Amor”.

Nessa dinâmica, na qual me deixava escravizar e, surpreendentemente, tornava-me cada vez mais livre, o amor começou a mostrar a sua verdadeira face. “Não sou um produto da tua vontade, inteligência ou sentimentos”, parecia dizer-me. “Sou consequência de todo o teu ‘eu’ mais profundo em encontro com o sentido da tua existência”. “Desvendo quem és, teus desejos mais profundos, a tua vocação à felicidade; te conduzo a ser muito além do presente de ti mesma, sem perderes a tua identidade e, ao mesmo tempo, desenvolvendo ao infinito todas as tuas potencialidades”.

Percebi que o amor tem um objeto próprio. Para as pessoas, o verbo “amar” só pode ser conjugado em relação a um bem igual ou superior a nós mesmos – outra pessoa –, já que deixar-se arrastar por qualquer outro bem inferior seria enganar-se, trair a si mesmo e ao desejo inegavelmente humano de infinito. E deparei-me com a realidade de que o amor, misteriosamente, conjuga – e une! – momentos de repouso e atividade, dor e alegria, sacrifício e paz.

Hoje entendo que ainda não compreendo o amor plenamente; sinto que se o soubesse, não seria o verdadeiro. E estou disposta a ouvir outras versões dessa história. Só sei que, no meu caso, a cada passo de entrega/crescimento/enriquecimento sou mais eu mesma, mais feliz. E, mesmo nos momentos mais difíceis, não me trocaria por ninguém.

A apaixonada