29 de abril de 2015

Ser Maria


Meu padrinho uma vez me disse que não me deixaria casar antes de eu me formar na faculdade, porque teoricamente isso significa que eu não trabalharia fora, e eu sou inteligente demais pra ficar em casa e "ser maria".

Que fatídico futuro: observar comerem da comida que preparei com gosto, vestirem a roupa que dobrei sorrindo ("estão crescendo tão rápido, daqui a pouco já não cabe mais!"). Perfumar a casa e transformá-la em lar (tão limpinho!). Estar presente e dar atenção aos filhos, dar carinho e arrumar a bagunça depois que eles dormirem. Receber meu José cansado do trabalho e ser seu descanso. 

O que será que tem de tão pavoroso nisso?

Que AUDÁCIA ser Maria! Quanta dignidade pôs ela, com seu toque santo e feminino, nas coisas da casa! Quem me dera ser perfeita e alcançar o que ela alcançou sendo mãe e esposa, que honra amar, servir, e multiplicar. Quanto poder tem a mulher, de definir o tom de uma família, de formar uma criança, de ser o bom humor de um homem. Em que mundo maravilhoso moraríamos se todas as mulheres fossem Marias?!

Sinto muito, padrinho, mas trabalhando ou não, eu pretendo ser Maria.

BM

17 de dezembro de 2014

Alimento




Olhou com ojeriza para a comida, era gourmet, mas cheirava a morte, assim como todo o resto em volta.
A vida que outrora lhe parecia fácil e alegre tomou ares de farsa.
Palavras lançadas ao vento.
Pequenas decepções cotidianas.
Perdas.
Traições.
Desânimo.
Fraqueza.
Perdera o tempero...

Abriu o livro e leu a dedicatória:
“Ser teu pão, ser tua comida e todo o amor que houver nessa vida.”

Um sentimento de gratidão a inundou.
Sentiu-se forte para recusar a valsa dos mortos-vivos que a circundava e renovou seu desejo de se fazer, também, alimento.

Sophia


9 de abril de 2014

Bodas de Diamante



Na manhã do dia 15 de março de 1954 (uma segunda feira), Marcus, apaixonado e enamorado, disse sim a Yvonne que, apaixonada e enamorada, disse sim ao Marcus e assim o meu nome e o nome dos meus irmãos puderam ser inscritos no livro da vida.
Obrigado!
Há muito o que comemorar.
Quanta alegria e felicidade se sobressaem em meio às dificuldades, contrariedades e tristezas que a vida lhes trouxe nestes 60 anos, forjando um amor pleno.
O amor de 1954 chegou a 2014 cheio de razão, selado e amadurecido pela fé, esperança e sobretudo pela caridade.
Amor cheio de razão, pois amar é mais do que paixão, é decisão.
Decisão livre de entregar o único e verdadeiro bem que possuímos: a liberdade e assim tornar-se prisioneiro do outro.
Esse é um amor que se realiza no eterno.

Luiz

2 de abril de 2014

A tragédia do outro também é a nossa tragédia




Durante o passar dos dias vivenciamos diversos acontecimentos, alguns que são mera rotina e outros que nos suscitam maior reflexão e até mesmo empatia em relação ao mundo dos outros. Hoje foi um dia desses. Ao ler sobre o caso da mãe de família, baleada em uma troca de tiros em uma comunidade carioca, jogada no porta-malas de uma viatura policial e depois arrastada por alguns metros, acabei por me colocar no lugar das pessoas que vivem naquela comunidade, e dos seus familiares em particular.

Li a notícia e assisti ao depoimento da filha adolescente da vítima. Mesmo estando distante dos fatos, socialmente e espacialmente, confesso que a imagem extrema da violência diária que aquelas pessoas sofrem me instigou certa tristeza e uma revolta interior. Entretanto, o que mais me tocou foi o depoimento da filha, que continua a luta da vida mesmo com a dor da perda, denunciando o modo pelo qual aquela gente sofre na pele, negra por sinal, a marginalização e o estigma da criminalidade.

O depoimento é claro, "eles pensaram que ela era bandida", "acharam que ela estava levando café para os traficantes". Juízo prévio realizado em minutos, ou talvez até segundos. A condenação já estava realizada, mesmo sem o julgamento. E mais, é assustador ter a certeza de que o tratamento dispensado a esta mulher jamais ocorreria em um bairro nobre da mesma cidade. Tragédia extrema na qual a dor da família pela perda foi tratada com muita hostilidade.

Continuo insistindo o quanto é triste e ao mesmo tempo revoltante assistir o depoimento da filha, ainda em luto pela perda da mãe. Não há como não compartilhar esses sentimentos. Com simplicidade e grande força, a garota apresenta um testemunho revelador de todos os abusos das autoridades estatais, triste denúncia de que aqueles que moram no morro não tem vez. Serão sempre julgados, pelo Estado, pela mídia e por todos. Infelizmente, essa é a dura realidade daqueles que se encontram do outro lado, e na qual nós jamais poderemos compreender plenamente.
 
Só tenho a dizer que lamento profundamente, mesmo sabendo da incompletude do meu sentimento de empatia por essas pessoas, que choraram a perda de uma mulher, mãe de família, que certamente fará muita falta para aqueles que a estimam. A empatia é justamente isso, nos colocarmos no lugar do outro, sentirmos parte da dor e da tragédia do outro, de modo a nos tornarmos um pouco mais humanos, apesar de toda a estupidez que existe. Talvez a humanidade necessite desse exercício diário.


Flávia Regina

26 de março de 2014

Tão longe, tão perto




Quando eu deixei a minha cidade, a minha família, os meus amigos, a minha casa e os meus cachorros para cair nessa imensidão que é São Paulo e começar a faculdade dos meus sonhos, eu não fazia ideia do que realmente significava isso. 
Não imaginava que ia ser tão doce e tão amargo. Não imaginava que ia me sentir tão distante e tão próxima.
Estar longe dói com frequência. Não fazer parte do dia-a-dia de quem você ama é uma ferida constantemente aberta.
Mas ao mesmo tempo carrego todas elas, seus rostos, seus jeitos, seus cheiros, seus sorrisos, carrego-as no meu coração de um jeito que eu não fazia quando estava fisicamente perto. A distância muda o amor. Mas não na intensidade, somente na sua forma. Aprendi a amar de longe, e isso alargou meu coração. Alargou tanto que já começo a amar tudo isso que me é novo na vida. E multiplicam-se os rostos que eu carrego comigo. 
Me vejo alegre. Alegre porque fui capaz de escolher e minha escolha me transformou. Hoje vivo com mais peso. Com mais sentido, mais direção e mais magnitude (veja só, sou quase um vetor!). 
Mas a alegria maior está em saber que a mudança não termina. Viver é mudar, e crescer, e transformar, e aprender, e lutar. E em meio a tudo isso a gente ama. Ama os outros, ama as lutas, ama os dias. E o que era no início amargo se torna, gradualmente, cheio de doçura.


Adélia