Durante o passar dos dias vivenciamos diversos
acontecimentos, alguns que são mera rotina e outros que nos suscitam maior
reflexão e até mesmo empatia em relação ao mundo dos outros. Hoje foi um dia
desses. Ao ler sobre o caso da mãe de família, baleada em uma troca de tiros em
uma comunidade carioca, jogada no porta-malas de uma viatura policial e depois
arrastada por alguns metros, acabei por me colocar no lugar das pessoas que
vivem naquela comunidade, e dos seus familiares em particular.
Li a
notícia e assisti ao depoimento da filha adolescente da vítima. Mesmo estando
distante dos fatos, socialmente e espacialmente, confesso que a imagem extrema
da violência diária que aquelas pessoas sofrem me instigou certa tristeza e uma
revolta interior. Entretanto, o que mais me tocou foi o depoimento da filha,
que continua a luta da vida mesmo com a dor da perda, denunciando o modo pelo
qual aquela gente sofre na pele, negra por sinal, a marginalização e o estigma
da criminalidade.
O depoimento é claro, "eles pensaram que
ela era bandida", "acharam que ela estava levando café para os
traficantes". Juízo prévio realizado em minutos, ou talvez até segundos. A
condenação já estava realizada, mesmo sem o julgamento. E mais, é assustador
ter a certeza de que o tratamento dispensado a esta mulher jamais ocorreria em
um bairro nobre da mesma cidade. Tragédia extrema na qual a dor da família pela
perda foi tratada com muita hostilidade.
Continuo insistindo o quanto é triste e ao mesmo
tempo revoltante assistir o depoimento da filha, ainda em luto pela perda da
mãe. Não há como não compartilhar esses sentimentos. Com simplicidade e grande
força, a garota apresenta um testemunho revelador de todos os abusos das
autoridades estatais, triste denúncia de que aqueles que moram no morro não tem
vez. Serão sempre julgados, pelo Estado, pela mídia e por todos. Infelizmente,
essa é a dura realidade daqueles que se encontram do outro lado, e na qual nós
jamais poderemos compreender plenamente.
Só tenho a dizer que lamento profundamente,
mesmo sabendo da incompletude do meu sentimento de empatia por essas pessoas,
que choraram a perda de uma mulher, mãe de família, que certamente fará muita
falta para aqueles que a estimam. A empatia é justamente isso, nos colocarmos
no lugar do outro, sentirmos parte da dor e da tragédia do outro, de modo a nos
tornarmos um pouco mais humanos, apesar de toda a estupidez que existe. Talvez
a humanidade necessite desse exercício diário.
Flávia
Regina