Lá
estava eu odiando uterinamente a minha dissertação de mestrado que não engrena.
Já vão dois meses que não consigo dar uma cara mais sustentável pra coisa.
Peguei aversão a tudo o que diz respeito a ela: os livros que estou lendo, os meus
rabiscos idiotas nas margens desses livros, os adesivos coloridos com que
marquei as partes importantes dos livros e que os deixaram com um ar retardado
de pirulito, os títulos dos capítulos e subcapítulos do meu trabalho que me dão
raiva de tão improvisados, as conversas em torno do tema com que de vez em
quando alguma alma bondosa tenta me animar, as minhas fichas de leitura
supostamente vintage (na verdade,
amadoras) feitas naquelas folhinhas pautadas com as quais o pessoal organizava
ficheiros na década de 50, as minhas horas inchadas de megalomania enquanto
escrevia o projeto, as minhas horas em desespero e posição fetal na frente o
computador vendo um texto que só empaca, a minha escrivaninha zoneada (mas isso
meio que sempre foi assim, admito), o meu interesse misterioso e súbito em
pesquisar no google qualquer coisa como
relógio-de-sol-como-fazer-e-como-funciona, um grande tempo desperdiçado em
interesses súbitos e misteriosos como esse, enfim, tudo me desagrada e repugna.
E
numa tarde dessas – depois de duas horas passadas na biblioteca da
universidade, com meu computador e o arquivo da dissertação abertos, e eu em
estado de semi-catatonia – fui passear pela cantina segurando um dos livros sobre
o qual estou trabalhando (meu trabalho é sobre livros de literatura e inclusive
isso tem me desanimado: estou escrevendo sobre ficção, quer dizer, o que tem me
tirado o sono não são nem pessoas e coisas que tenham acontecido de verdade...)
e encontrei lá uma amiga. Batemos papo. Até que ela olhou pro meu livro e disse
(e eu percebi que não era por filantropia, era um interesse espontâneo e real):
“É esse o livro que você tá estudando?” e já foi pegando nele. É literatura
contemporânea, não é muita gente que conhece, então conversei um pouquinho a
respeito. Foi uma coisa bem simples isso. Mas me deu um estalo pra pensar que
aquilo que estou fazendo tem sim uma grande dimensão de realidade: porque tudo
o que é humano, seja imaginação, sejam fatos, ocupa um lugar todo especial na
realidade. E, afinal, a minha amiga perguntou pelo livro e segurou nele como se
num pedaço do mundo, ou seja, como numa coisa que vale a pena. A partir disso
acho que eu consigo lembrar por que foi que me apaixonei pelo meu tema de
estudo. É o que vou tentar fazer nos próximos dias.
Bel
Que texto lindo! E muito oportuno, neste momento de fim de ano e entrega de monografia... a gente pega mesmo, de uma hora pra outra, raiva do negócio, esquece por que acreditamos que estudar aquilo é tão importante. Ler esse texto foi uma inspiração. De volta aos estudos!
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