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viagem pelo Rio Moa |
Eu hoje moro no Acre, numa cidade que fica
no extremo oeste do Brasil, fronteira com o Peru. Não sei ao certo o motivo
pelo qual vim parar nessas fronteiras, talvez porque nunca fui de fazer grandes
cálculos acerca dos caminhos que tomo.
À experiência no norte atribuo boa parte da
minha compreensão de mundo; o choque com o diverso amplia horizontes. Talvez
por essa razão seja sempre tão bem humorada quando questionada sobre a
existência do Acre, tanto pelos que só querem uma razão para se aproximar
quanto pelos que não compreendem a opção por um lugar tão longínquo. Não é
possível escrever em poucas linhas o que significa morar no Acre. Lidar com um
povo que ri quando tem vontade independente de onde estiver, que conversa
honestamente não só por palavras, mas principalmente por gestos. Os gestos são
realmente o que fascina. Eu não concebia pessoas cuja expressão corporal não
estivesse limitada pelas regras do ‘bom convívio social’. Incomoda um pouco a
lascividade evidente, embora meu olhar treinado a reconheça mesmo nos ambientes
mais formais (com mil aspas: civilizados).
Mas o incômodo é o que tange as fronteiras do que se pensa ser o humano e
pode alargá-las desde que o olhar esteja disposto. No entorno da cidade
sobrevivem populações indígenas, espremidas entre os interesses latifundiários
e o desprezo dos citadinos, que anseiam pelo dito progresso, para o qual os
indígenas são barreiras constantes. Um mundo ininteligível, penso eu. Seu riso,
seu gestual, suas crenças... penso entender, mas sei que minha mentalidade
ocidental os inventa, assim como eles devem me inventar – e isso Roy Wagner me
esclareceu. Sei que não são mendigos à procura da redenção pelo homem branco,
nem coisinhas lindinhas saídas dos livros para me satisfazer e impressionar. Penso
que muitas vezes vejo, mas não enxergo culturas tão diversas, mesmo porque elas
nem sempre, ou não tão rapidamente, dão a conhecer de forma clara os seus
sistemas de verdades, de convívio social e de relação com a terra. Eis que
novas fronteiras se interpõem e segue a vida em terras acrianas.
Blenda Cunha Moura